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Quem paga a conta do fechamento das montadoras?

Com diversas fábricas fechadas nos últimos anos, milhares de empregos são encerrados. Brasil se tornou um importador de veículos


POR Maíra Azevedo

Publicado em 08 de abril de 2021


O anúncio de fim da produção de veículos da Ford no Brasil, em janeiro de 2021, pegou de surpresa fornecedores, empresários e, principalmente, os 5 mil funcionários que a montadora empregava. Sem qualquer aviso prévio, a montadora decidiu encerrar a produção de veículos em Camaçari (BA) e de motores em Taubaté (SP), mantendo apenas a fabricação de peças por alguns meses, até completar os estoques do pós-venda. A fábrica da Troller – parte do grupo Ford – em Horizonte (CE) deve operar até o fim do ano e, caso nenhuma outra companhia demonstre interesse em comprar a unidade, também haverá seu fechamento.

Apesar da surpresa, esse não foi o primeiro encerramento de atividades nos últimos seis anos. Em dezembro de 2020, a Mercedes-Benz anunciou o fechamento de sua fábrica de veículos em Iracemápolis (SP), que tinha apenas quatro anos de funcionamento; e em 2015 foi a vez da Mahindra fechar sua fábrica de oito anos em Manaus (AM). Houve ainda a ameaça da GM sair do Brasil em 2019, o que acabou não se concretizando.

Esses anúncios podem ser apenas o início de uma nova tendência de inserção do Brasil no setor automotivo: não mais como produtor – mas como importador de veículos. Após décadas de estímulos estatais para a abertura de unidades fabris, o cenário de falta de subsídios, economia cambaleante e descontrole da pandemia da Covid-19 fez com que algumas companhias preferissem enxugar suas operações no Brasil e passassem a importar de países como a Argentina.

O momento atual, em certa medida, reorienta as estratégias após um longo período de relação intrínseca entre Estado e abertura de unidades fabris no Brasil. Ao analisar a localização das unidades fabris ao longo do tempo, podemos ver que elas se associam diretamente com os períodos de maiores estímulos industriais do governo federal.

Três ondas

Ao longo da primeira metade do século 20 e, em especial, no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), abriram-se as primeiras montadoras no Brasil, que se instalaram no município de São Paulo e na região do ABC. Nesse período, houve o início do paradigma rodoviarista – e foram lançadas uma série de normas que favoreceram a abertura de montadoras no Brasil em detrimento da importação de veículos.

O segundo maior momento de instalação de indústrias ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando foi promulgado o Novo Regime Automotivo, que garantia incentivos fiscais a empresas que tivessem um índice mínimo de nacionalização de peças e exportassem parte de sua produção. Em um período que a metrópole de São Paulo já contava com um sindicato articulado, os terrenos eram caros e o trânsito, um empecilho, algumas montadoras passaram a expressar o desejo de se instalar em outras regiões do País, o que desencadeou um processo de desconcentração industrial.

Houve início do período que ficou conhecido como “guerra fiscal”, em que municípios e estados apresentavam benefícios como isenção de impostos, doação de terrenos e adequação viária caso a empresa se instalasse no local. Por um lado, as companhias possuíam a estratégia de procurar locais que gerassem menos custos de produção e, para os municípios, a instalação de indústrias pareceu uma boa arma para a geração de emprego e renda, mesmo que perdessem na arrecadação de impostos.

Um dos casos mais emblemáticos do que foi a guerra fiscal envolve justamente a Ford e uma de suas fábricas quase fechadas. No ano de 1998 a empresa anunciou a instalação de uma unidade produtiva no município de Guaíba (RS), com um contrato que previa financiamento estatal e obras de adequação do terreno. Em 1999 o governo gaúcho realizou o primeiro pagamento à empresa e chegou a iniciar o processo de terraplanagem.

Classe trabalhadora acaba sendo a mais afetada em todo esse jogo, já que é chamada a financiar as bases necessárias ao futuro lucro das empresas estrangeiras por meio dos incentivos fiscais

Contudo, pouco tempo depois, a Ford se retirou do negócio com a justificativa de atraso da segunda parcela do dinheiro. Com isso, a montadora passou a negociar com a Bahia, com um pacote de incentivos ainda mais atrativo fornecido pelo então senador Antônio Carlos Magalhães. Nesse contexto, a Ford acabou lançando sua fábrica em Camaçari, que agora está prestes a fechar.

A última grande onda de abertura de novas unidades fabris ocorreu nos últimos dez anos, quando vigorou o Inovar-Auto (2012-2017). O programa previa o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para montadoras que não cumprissem as metas de conteúdo local e de produção dentro do Brasil. O resultado foi a inauguração de dez novas fábricas ao longo desse tempo e o aumento da compra de carros populares.

O Rota 2030

O mais novo programa automotivo, criado em 2018, se chama Rota 2030 e tem duração prevista para 15 anos. Essa nova política visa estimular o investimento em segurança, tecnologia e novas fontes de energia. Apesar de trazer pontos importantes para o debate, o programa traz uma novidade que acaba por modificar toda a forma com que as montadoras vinham atuando até então: os incentivos e regras para as indústrias locais e para as importadoras passaram a ser praticamente os mesmos.

Ou seja, diferentemente do Inovar-Auto e de outros programas – em que era primordial a presença de uma fábrica no Brasil –, no Rota 2030 não faz muita diferença se a companhia é produtora ou importadora. Esse novo cenário setorial, junto da estagnação da economia, a desvalorização do Real e a retração do mercado consumidor pela diminuição do poder de compra, faz com que empresas repensem se ainda é vantajoso manter sua produção em solo brasileiro. É nesse contexto que ocorre o fechamento das fábricas da Ford e da Mercedes-Benz.

Para a Ford, que já vinha passando por dificuldades, a fabricação de veículos com maior valor agregado na Argentina pareceu ser a melhor saída, pois assim poderia continuar próxima ao mercado brasileiro e, ao mesmo tempo, enxugar a produção e parar de enfrentar os empecilhos de se produzir a uma maior distância da concentração populacional do Centro-Sul. Já para a Mercedes, sair do mercado de veículos e manter a produção de caminhões pareceu vantajoso, já que setores como agronegócio permanecem aquecidos.

Atualmente, diversas montadoras que continuam com unidades fabris no Brasil estão com produção temporariamente suspensa pela falta de peças e pela escalada da pandemia de Covid-19. Em um cenário em que a vacinação e, consequentemente, o fim da pandemia parece ocorrer de maneira mais célere em diversos países vizinhos, podemos questionar se outras empresas acabarão optando pela mesma decisão da Ford.

Em todo caso, a classe trabalhadora acaba sendo a mais afetada em todo esse jogo, já que é chamada, ainda que indiretamente, a financiar as bases necessárias ao futuro lucro das empresas estrangeiras por meio dos incentivos fiscais. E, ao mesmo tempo, as companhias decidem ir embora quando o local não atende mais a seus reclamos, deixando para trás inúmeros desempregados.

Publicado originalmente no Outras Palavras


Maíra Azevedo

Geógrafa pela USP e mestra em Geografia pela UFRJ


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