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Chile trava batalha histórica pela redução da jornada de trabalho

Em tramitação desde 2017, o “Projeto 40 Horas” já foi aprovado na Câmara dos Deputados chilena, mas estava parado no Senado.


POR André Cintra

Publicado em 14 de novembro de 2022


Mal deu tempo de secar as lágrimas. Passada a derrota no plebiscito pela nova Constituição, o Chile trava outra batalha histórica. Sob a liderança do Ministério do Trabalho e Previdência Social, o governo Gabriel Boric trabalha para aprovar no Congresso a redução da jornada de trabalho – de 45 para 40 horas semanais.

Em tramitação desde 2017, o “Projeto 40 Horas” já foi aprovado na Câmara dos Deputados chilena, mas estava parado no Senado. Desde a posse de Boric na Presidência da República, em março, a ordem é aprimorar a proposta e viabilizar sua aprovação.

Em entrevista exclusiva ao Vermelho, Giorgio Boccardo, subsecretário do Trabalho, explica que a mudança na jornada será “paulatina”, para não provocar “efeitos no emprego e na economia”. Embora o governo não tenha maioria no Congresso, este sociólogo e professor universitário, de 40 anos, acredita que a lei, uma vez aprovada, pode entrar em vigor no começo de 2023. A seu ver, com a pandemia de Covid-19, a resistência empresarial às 40 horas semanais diminuiu.

Recém-filiado ao Comunes, Boccardo é uma espécie de “número 2” do Trabalho – a pasta é encabeçada pela ministra Jeannette Jara, do Partido Comunista do Chile (PCCh). Em maio, o ministério esteve à frente de um dos primeiros anúncios de impacto do novo governo – o reajuste do salário mínimo em 14,3%.

A proposta de mudar a Constituição do país previa diversos avanços para os trabalhadores: a regulamentação do direito à sindicalização, à negociação coletiva e à greve, a unicidade sindical, o reconhecimento do trabalho doméstico e do trabalho de cuidado, a criação de um sistema público de seguridade social, entre outros marcos.

Porém, no plebiscito de 4 de setembro, houve uma ampla vitória do “rechazo” (“rejeito”) sobre o “apruebo” (“aprovo”) – a nova Carta Magna foi barrada por 62% a 38%. Com o “Projeto 40 Horas”, o presidente espera virar a página e marcar em definitivo a vida dos trabalhadores.

Confira abaixo trechos da entrevista de Boccardo, concedida na região chilena de Algarrobo, na quarta-feira (9), durante o 9º Conselho Nacional de Organizações (Conao 2022) da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Chile (CAT).

Vermelho: Quais lições o governo tirou do resultado do plebiscito?
Giorgio Boccardo: O resultado do plebiscito foi de 62% a favor da opção do “rechazo” do texto constitucional. Nós, como governo do presidente Boric, lamentamos muito essa posição, já que o texto ia na linha de fortalecimento dos direitos sociais – da construção de um Estado social e democrático de direito. Mas o resultado saiu de um contexto democrático e, portanto, o governo o respeita.

Agora, no Congresso, estamos discutindo um novo processo constituinte. Após a rejeição majoritária ao texto (que foi a plebiscito), é importante avançar. Nós, do Poder Executivo, estamos na expectativa de que o Congresso defina o mecanismo a partir do qual o Chile possa viabilizar essa nova Constituição. É fundamental que o Chile avance nessa direção.

Precisamos atender às demandas e exigências de soberania e de direitos sociais, com maior seguridade e com todos os aspectos que tenham a ver com trabalho, saúde e renda. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer outros pontos que a sociedade tem demandado sobre uma série de questões.

Vermelho: O “Projeto 40 horas” é uma prioridade do Ministério do Trabalho. Como está essa luta hoje?
GB: É uma demanda de anos que foi levantada pelos sindicatos do Chile e está tramitando há cerca de cinco anos no Congresso. Atualmente, o projeto se encontra no Senado. O que nós fizemos, como governo, foi retomá-lo e estabelecer uma série de indicações.

Queremos uma redução efetiva da jornada de trabalho de 45 para 40 horas, mas reconhecendo as distintas realidades produtivas e os diferentes formatos de jornada que existem no país. Para que essa redução de jornada não tenha efeitos (negativos) no emprego e na economia, foi proposta uma implantação gradual – uma redução paulatina – em cinco anos.

Vermelho: E a resistência empresarial?
GB: Em 2017, quando o projeto começou a tramitar, parecia haver uma rejeição maior (dos empregadores) a uma proposta como esta, que foi puxada pelo movimento sindical. Mas, sobretudo após a pandemia, muitas empresas tiveram de reorganizar o trabalho e passaram a aceitar melhor esse projeto. Esta é a diferença em relação a 2017.

Estamos bem convencidos de que a redução da jornada vai significar uma melhora na qualidade de trabalho e uma oportunidade para que as empresas organizem seus processos produtivos. Esperamos que, no começo do próximo ano, o projeto já seja lei

Vermelho: O Brasil acaba de eleger Lula presidente. Como essa vitória fortalece a luta pela integração latino-americana e por mais ações comuns entre os governos da região?
GB: Para o presidente Boric e para todo o governo, é sempre importante ratificar governos que fortaleçam a democracia, a participação, os direitos sociais, a igualdade e o combate à pobreza. Nesse contexto, a vitória do presidente Lula no Brasil pode contribuir para a maior integração latino-americana. Temos muita esperança. Os países latino-americanos já têm muitos elementos em comum e muitas experiências positivas a partilhar, a exemplo do Chile neste primeiro ano (de governo Boric). Cremos que o diálogo entre Chile e Brasil pode fortalecer não apenas essa integração – mas também fortalecer ambos os países.

Fonte: Portal Vermelho


André Cintra

Jornalista, é assessor de Comunicação da Fitmetal