Parlamentares e representantes de empresários e de trabalhadores debateram, em audiência pública na Câmara dos Deputados, os caminhos necessários para a retomada do desenvolvimento industrial do país a partir do programa Nova Indústria Brasil (NIB), proposto pelo governo federal. O debate foi realizado na quarta-feira (30), na Comissão de Desenvolvimento Econômico, presidida pelo deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA).
“Esse é um tema de interesse ao Brasil, está na ordem do dia e faz parte de ações que o governo federal procura desenvolver. Acho que o Nova Indústria, a reindustrialização do Brasil, o debate sobre os caminhos para o desenvolvimento, vêm com algum atraso. Essa dimensão nos convoca a pensar quais passos precisamos dar, como acelerar esse processo. Se compararmos o atual momento com a década de 80, vemos que a participação da indústria só diminuiu no Produto Interno Bruto (PIB), na geração de empregos, na dimensão para a nossa economia. Estamos com atrasos tecnológicos”, afirmou Daniel Almeida na abertura da mesa.
O debate reuniu a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e dirigentes de importantes confederações e federações de trabalhadores dos setores metalúrgicos, marítimos e da alimentação.
“SUPERAR ENTRAVES DO RENTISMO”
Ubiraci Dantas (Bira), vice-presidente da CTB, destacou que o Nova Indústria Brasil é um importante programa para a retomada do crescimento do país “porque um país sem indústria é um país sem desenvolvimento”. “No entanto, existem alguns obstáculos que a gente quer colocar aqui para debater. O arcabouço fiscal, de Fernando Haddad, é um dos principais entraves para o desenvolvimento de uma indústria brasileira pujante e que propicie o desenvolvimento de um parque industrial que leve o país em direção a sua soberania. O arcabouço fiscal limita o crescimento em 2,5%, limita o investimento em produtos e programas sociais, dificulta concretamente que o recurso venha”.
Já o que não têm limite, continua Bira, “são os bilhões de reais que são destinados para o setor financeiro todos os anos. Foram, só nos últimos 12 meses, até agosto, R$ 780 bilhões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, proposta por Haddad e aprovada pelo Congresso Nacional, destina para esse ano de 2024, R$ 1,73 trilhão para o setor especulativo, para quem não produz um prego. Ou seja, os juros altos são um entrave para esse desenvolvimento”, afirma.
COMPRAS PÚBLICAS E INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO
Samantha Ferreira, diretora da CNI, também apontou o juro alto como um dos fatores que prejudicam o desenvolvimento da indústria, setor que tem “o maior poder de puxar o crescimento econômico”.
“Quando a gente investe R$ 1 na indústria, gera outros R$ 2,44 na economia como um todo. Valor que é menor nos demais setores, quando a gente pensa na agropecuária ou no [setor de] serviços. Além disso, quando a gente olha para os investimentos privados em inovação, em pesquisa e desenvolvimento, a maior parte deles, quase 70% deles, é realizado na indústria”. Samantha também destacou as compras públicas como “instrumento bastante importante para o desenvolvimento produtivo e tecnológico quando favorece o desenvolvimento da indústria nacional”.
Roberto Sampaio Pedreira, representando a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), enfatizou a indústria de transformação como essencial. Lembrou que, “entre as categorias que compõem a indústria geral, é a que tem um menor crescimento. Ela [a indústria de transformação] cresce, mas há um percentual de crescimento menor. E esse talvez seja um dos principais desafios que tem a Nova Indústria Brasil, o de fazer com que a indústria de transformação, representada aqui por muitos trabalhadores, tenha um crescimento que supere outras categorias da indústria, como também dos serviços e da agropecuária”.
PROTEÇÃO À INDÚSTRIA NAVAL BRASILEIRA
Carlos Müller, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (Conttmaf), falou da necessidade do desenvolvimento da indústria como fator decisivo para e elevação da renda da classe trabalhadora. Müller também destacou o papel da indústria naval para esse processo.
“Na indústria naval, o principal carro-chefe, internacionalmente, é a construção de navios. Também tem a construção de plataformas de exploração de petróleo, e agora as unidades de geração eólica, que devem entrar com a descarbonização. Mas o Brasil não tem olhado com atenção para essa indústria. Quando um navio é construído, esse processo começa na produção do aço, na produção dos insumos que vão ser utilizados na construção naval. A operação de um navio dura de 20 a 30 anos e, ao final, você tem a necessidade de reciclar esse navio com atividade de desmantelamento, que também é feito pela indústria naval”, completou.
O dirigente sindical lembrou que o setor naval chegou a empregar mais de oitenta mil trabalhadores no Brasil, mas “sofreu um revés terrível há alguns anos e chegou no fundo do poço. Agora começou a retomar, mas de forma lenta. Temos que debater subsídio, que aqui no Brasil precisa sempre ‘falar baixinho’, não pode falar subsídio. Como não pode falar subsídio se a maior parte dos países que dominam a tecnologia dão pesados subsídios a suas indústrias?”
“Os países que dominam a construção naval mundial hoje, como a China, como a Coreia do Sul, alcançaram esse patamar, e não caiu do céu. Foi gerado com política pública, com muito subsídio”. “Quando se olha internacionalmente para os países que dominam o transporte marítimo, nós temos pesadas proteções. Você não entra em águas americanas com o seu navio para transportar um contêiner do porto A para o porto B. Essa operação só é possível se você construir um navio nos Estados Unidos, utilizando aço americano, o capital da empresa lá dos Estados Unidos. E, depois que o navio estiver operando, tem que ser tripulado com pelo menos 75% trabalhadores locais. Nós estamos falando do país que mais defende o liberalismo econômico no mundo, estamos falando dos Estados Unidos. E eles não têm dúvida de que, para ter o domínio que eles ainda têm, necessitam de uma marinha mercante nacional e sob efetivo controle de Estado. Aqui no Brasil há alguns anos se tomou a decisão contrária”, destaca Müller.
JUROS X DESENVOLVIMENTO
Assis Melo, presidente da Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil (Fitmetal), disse que a industrialização precisa ser prioridade para um país que se pretende desenvolvido, apontando o contrassenso em se destinar quase metade do Orçamento Federal para pagamento de juros e amortizações da dívida pública, em detrimento da produção. “Nós precisamos compreender, na verdade, que não tem ‘dois dinheiros’. Não dá para pagar bilhões de juros e desenvolver o país. Se você coloca dinheiro em um lugar, é claro que vai faltar no outro”.
“Hoje somos uma nação subjugada e surrupiada por essa onda do juro alto. A riqueza do povo brasileiro é surrupiada. Esse debate do orçamento da sociedade tem que ser discutido”, defendeu.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação (CNTA), Artur Bueno, apontou para a necessidade de contrapartidas para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos funcionários da indústria. “Foram colocadas todas as questões e a importância do investimento nas indústrias. Eu quero dizer que eu estou de pleno acordo. Eu acho que tem que realmente haver investimento. Agora, é preciso que tenha contrapartida. Porque todas as vezes que nós vemos o Estado investindo nos segmentos empresariais, nós não temos visto nenhuma contrapartida para os trabalhadores”.
“CARTA AO POVO BRASILEIRO”
Durante a audiência, os presentes aprovaram a “Carta ao povo brasileiro”, lida por Ubiraci Dantas, e aprovada no Seminário Nacional pela Reindustrialização do Brasil, realizado em junho na sede da CTB. A carta também foi publicada no livro “Produção versus Rentismo – Trabalhadores em Empresários pela reindustrialização do Brasil”, organizado por Carlos Pereira.
O documento, assinado por várias entidades, como CNI, CTB, NCST, Fitmetal, Contmaf, CNTA, CNTI, e que está aberta a nova adesões, defende que é necessário romper com a política que mantém a maior taxa de juros do mundo, que assalta “mês a mês, há mais de 30 anos, os cofres do Tesouro Nacional, e bloqueiam o nosso crescimento, fórmula pós-moderna de promover a derrama”.
“Já passou a hora do Brasil se libertar das amarras que impedem nosso crescimento econômico. Para isso, o principal é reduzir as taxas de juros, aumentar o investimento público, estimular o investimento privado para um novo patamar – já foi de 25% do PIB e hoje é 16%”, continua a carta.
No documento, as entidades destacam que é importante “forjar a economia no fortalecimento da produção industrial e no mercado interno, complementados por uma vigorosa produção agrícola, num salário mínimo suficiente para sustentar a família e estimular as vendas. Numa indústria pujante em tecnologia e respeito ao meio ambiente. Formar uma poderosa corrente pela reindustrialização do país. Deixar falando sozinhos os arautos da especulação financeira. É nossa responsabilidade completar a obra dos que iniciaram a construção de um Brasil grande e próspero para seu povo, para que nossos filhos e netos acreditem no futuro da pátria e da humanidade”, conclui a carta.