Opinião

Reindustrialização Sustentável: cooperação entre o sindicalismo e a Indústria

Contribuição da “Nota Técnica” pode dar margem para muitos diálogos, muitos, e que outras centrais participem deste debate e proponham os seus, pois vivemos um tempo que precisa ser de união, e uma sessão numa comissão do Senado é um belo episódio.


POR Marcos Rehder Batista

Publicado em 29 de abril de 2024


No último dia 17 de abril a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal promoveu um debate absolutamente representativo sobre questões fundamentais no projeto Nova Indústria Brasil – NIB apontadas pela Nota Técnica publicada pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB. Compuseram a mesa a CNI, o recriado Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o CEDEPLAR (FACE-UFMG), SENAI e FIESP, a Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil – Fitmetal, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário – Contricom, a Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST e a CTB, através de seu vice-presidente Ubiraci Dantas de Oliveira, que organizou o evento junto ao senador e presidente da CDH Paulo Paim (PT-RS).

A iniciativa foi um dos resultados do encontro que aconteceu na primeira quinzena de março, quando a “Nota” foi apresentada ao vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin por comitiva liderada pelo presidente da CTB, Adilson Araújo, onde foram discutidos e incluídos vários pontos da contribuição da central sindical na agenda da reindustrialização nacional sustentável. Como deve acontecer um esforço para levar a discussão ocorrida no parlamento para os estados, torna-se importante compreender os pontos essenciais de como o documento, intitulado “Política Industrial a serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil” aborda a NIB, começando com uma contextualização sobre como foi elaborado o diagnóstico, as linhas gerais da política industrial coordenada pelo Governo Federal, o que há de complementar na iniciativa sindical e questões importantes a serem alinhadas com o tempo, demonstrando sua maturidade na atividade sindical.

Como será discutido mais adiante, pode-se dizer que três aspectos tratados no documento ajudam a entender os demais como um conjunto. Primeiro, fortalecer a indústria de transformação nas atuais Cadeias Globais de Valor é o caminho tanto para se agregar valor, aumentar a produtividade do trabalho quanto buscar soluções para demandas urgentes da sociedade brasileira, gerando renda e fortalecendo a competitividade. Segundo, investimento estatal incentiva o investimento privado, desde que seja estrategicamente conduzido, os dois não são concorrentes; igualmente, aumento de salários significa aumento do poder de compra, um incentivo para a indústria, e não um entrave. Terceiro, se há a necessidade de aprimoramentos institucionais que reduzam o Custo Brasil e incentivem os agentes econômicos a investirem na produção, redução da taxa de juros e um arcabouço fiscal que dê margem para o Estado investir são os dois principais mecanismos institucionais para que isso aconteça. Para que um projeto de desenvolvimento aconteça, Estado, empresários e trabalhadores precisam estar capacitados para alinhar isso.

Um aspecto esclarecedor é o diálogo próximo que a CTB tem estabelecido com setores do meio científico para além do debate trabalhista. Ela já tem uma relação de anos com a chamada Bancada da Ciência e, em especial, com a presidente do movimento Cientistas Engajados, Mariana Moura; inclusive, a aula inaugural de seu EAD SINDICAL ficou a cargo de Iso Sendacz, de outro movimento ligado à CT&I, o Engenharia pela Democracia. Mesmo dentro de seu quadro a central representa setores que transcendem uma atuação convencional, tanto que em sua diretoria há um representante do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – SINDMAR, Carlos Augusto Müller, de densa formação militar, o que a habilita a trazer soluções para uma política industrial de defesa, por exemplo. Em resumo, lida com questões amplas o suficiente para apontar detalhes muitas vezes fora do alcance da visão convencional e dar conta do diálogo com uma vasta gama de atores diferentes, sem perder do horizonte sua atividade fim, melhorar salários e condições de trabalho, qualificando sua capacidade de cooperação justa com agentes econômicos.

Esta agenda de debates sair do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e ir direto para uma Comissão de Direitos Humanos também reforça a sintonia com a ideia de missões de desenvolvimento, paradigma que norteia a NIB. É uma forma de planejar o crescimento econômico atendendo às urgências socioambeintais, aos direitos básicos das pessoas. Por consistir numa garantia de demanda para o setor produtivo, também é da geração de emprego e renda. Também articula uma rede de atores capaz de proporcionar a base social que legitime o projeto ao longo do tempo, e com isso o próprio sistema político democrático onde será promovido, como destaca a Nota Técnica.

A sequência deste artigo, depois de explicar como surgiu o documento da CTB, que foi a base para este início de debate, e as características gerais do grupo de pesquisa ao qual pertence o economista que assumiu esta responsabilidade, Diogo Santos, será sintetizada a Nova Indústria Brasil. A partir disso serão sistematizadas as principais propostas da Nota Técnica associadas à NIB, buscando suas conexões com o projeto do Governo Federal.

O contexto da Nota para a NIB

Diogo Santos é pesquisador de doutorado no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, e consultor do IPEAD-UFMG. Há mais de 10 anos pesquisa as vulnerabilidades da política industrial entre 2000 e 2013 que culminaram na crise econômica de meados da década passada, no próprio CEDEPLAR e na Unicamp International School on Development Challenges. Em Belo Horizonte, trabalha com o professor Gustavo de Britto Rocha, que foi pesquisador na Universidade de Cambridge e na Universidade de Londres.

Na primeira reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial após sua recriação, em junho de 2023, publicou-se sua Resolução CNDI/MDIC nº 1, onde objetivos e missões da NIB já estavam organizados. Em poucos meses uma versão preliminar da “Nota” já estava elaborada e em discussão dentro da CTB, de modo que quando a Nova Indústria Brasil foi lançada, no final de janeiro deste ano, a central já possuía um conjunto de considerações e sugestões a serem levadas para que fossem incorporadas ao projeto nacional de reindustrialização sustentável (ou, como muitos preferem chamar, neoindustrialização). Disso podemos tomar que no momento de sua publicação, em março, suas ideias também já haviam sido amadurecidas pela rede diversificada de atores conectados à entidade sindical, inclusive ao MCTI, onde possui laços históricos com membros da equipe.

No texto de lançamento da publicação “Política Industrial”, lançada em parceria com a Federação Sindical Mundial e a Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil (FITMETAL), já destaca-se a relação entre força industrial e desenvolvimento, salientando as consequências da desindustrialização para o (de)crescimento dos Estados Unidos, em contraste com a China, onde há uma correlação direta entre fortalecimento da atividade de transformação e aumento do PIB. Esta é a tônica do artigo introdutório à “Nota”, de Adilson Araújo, que destaca a necessidade de recolocação do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho, na atual dinâmica das Cadeias Globais de Valor. Assumir maior complexidade nestas cadeias multiplica a geração de empregos indiretos, conforme aponta no posfácio Assis Mello, presidente da Fitmetal, que também representou a entidade na mesa do Senado.

Estas foram as principais questões tratadas com Geraldo Alckmin mês passado, e tanto o diagnóstico “Política Industrial a serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil” quanto esta audiência com o vice-presidente tiveram ampla divulgação entre as federações e sindicatos filiados à CTB e também no Portal Mundo Sindical, que reúne informações das principais centrais sindicais do país. Trata-se de um convite dos trabalhadores aos empresários industriais para juntar forças, como ressaltou Ubiraci de Oliveira logo no início de sua fala no último dia 17, considerando que a prosperidade de um depende da do outro.

O ponto central da “Nota” consiste em reconhecer que o regime macroeconômico, como política fiscal e percentual do orçamento possível para o investimento, são marcos institucionais fundamentais para o crescimento. Neste sentido, tece fortes críticas ao antigo Teto de Gastos, defendendo que apenas com maior margem para investimento estatal ou para financiamento do setor privado via agências públicas (como o BNDES) é possível incentivar o mercado a investir, gerando um promissor ambiente de negócios e capacidade anti-cíclica. Neste bojo, também a alta taxa de juros decorrente da independência do Banco Central impede estratégias disruptivas na medida em que dificulta novas alternativas ao padrão ortodoxo. É importante que, para buscar paralelos entre a NIB e a contribuição da CTB, se entenda que a política de reindustrialização publicada em janeiro não aborda com profundidade tais questões macro, posto que está sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comercio e Serviços, e quando aborda deixa bem claro que pautas como arcabouço fiscal e reforma tributária estão a cargo do Ministério da Fazenda. Há questões microeconômicas riquíssimas no documento elaborado pelo pesquisador do CEDEPLAR, voltados ao ganho de competitividade, que podem contribuir em muito na NIB, extremamente conectadas com a rede de relações da central, e buscar paralelos de propostas chanceladas pelo “chão de fábrica” com a política tocada por Alckmin certamente abre os olhos para muitos gargalos.

Linhas gerais dos instrumentos da NIB

Tomando como pressuposto a importância de ampliação da margem de investimento e a redução dos juros, que fogem às atribuições do MDIC, ela se alinha ao trabalho da CTB tanto no que se refere à precarização das políticas industriais dos anos 1990 para cá quanto aos impactos negativos de atualmente estarmos inseridos nas cadeias globais de valor como fornecedores de produtos de baixa complexidade tecnológica. Ela propõe um reposicionamento do país através de 6 missões de desenvolvimento, conjuntos de atores envolvidos em cadeias de valor estratégicas voltados a solucionar demandas da Agenda 2030 (sociais, econômicas e ambientais), indo além do foco setorial tradicionalmente usado (por isso ressaltam a expressão “neoindustrialização”, e não a convencional “reindustrialização”). Nesta descrição exploraremos os instrumentos estruturais, descritos no Capítulo 2 do documento do ministério, onde é possível uma interface mais direta com a nota “Política Industrial”. São três eixos de instrumento estruturais: voltados para aprimoramento dos instrumentos financeiros, ambiente de negócios e para contratações públicas. Eles serão agrupados aqui conforme a instância do CNDI que os acompanha.

Sendo um programa de trabalho pautado pela sustentabilidade, a apresentação dos Instrumentos Financeiros começa com duas agendas focadas no meio ambiente. A primeira trata da aprovação do PL 412/2022, que regulamenta o “mercado de carbono”, e a segunda da Taxonomia Sustentável Brasileira, um sistema de classificação que define atividades consideradas de cunho climático, ambiental e social, para que haja segurança jurídica quanto ao que será contemplado em programas especiais e renúncia fiscal; ambas estão sob acompanhamento do Comitê Executivo do CNDI. Sob supervisão do GT Coordenação de Ações de Financiamento ao Desenvolvimento Industrial, diretamente voltados à crédito e subvenção da neoindustrialização, estão o Plano Mais Produção – P P, com diferentes linhas de crédito para 4 eixos, Inovação, Verde, Exportação e Produtividade, com a previsão para a criação de Letras de Crédito ao Desenvolvimento (LCD) e aprovação do PL 6235/2023, que retoma empréstimos do BNDES com juros abaixo de mercado, algo abandonado pelo banco desde 2017. O protagonismo das micro, pequenas e médias empresas dentro do P P é fortalecido pela quarta iniciativa deste eixo de financiamento e subvenções, com a criação do Fundo de Aval à Micro e Pequena Empresa – FAMPE Inovacred, que financiará projetos de até 1,5 milhão de reais, com prazo de 10 anos.

O eixo que se concentra na melhoria do Ambiente de Negócios começa com as ações sob interlocução com o GT para Redução do Custo Brasil do CNDI, que agrega programas de inteligência e planejamento. Os dois primeiros tópicos se relacionam à propriedade intelectual, tanto num esforço para diminuição do prazo para aprovação de patentes para 2 anos (previsto na Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, Resolução GIPI/MDIC nº 8, de 18/10/2023) quanto ao aperfeiçoamento do uso de patentes para o planejamento das missões da NIB. Também sob a tutela deste GT está a Estratégia Nacional de Infraestrutura da Qualidade – ENIQ, que prevê a padronização e desburocratização para a inserção do Brasil nas Cadeias Globais de Valor. Mesmo estando no GT de Territorialização, a criação do Sistema Nacional de Territorialização também pode ser posta como atividade de planejamento e inteligência, pois trata da prospecção dos APL’s com maior potencial segundo a região, fundamental para a mitigação das desigualdades regionais.

Uma segunda ordem de ações para aumentar nossa competitividade no ambiente de negócios é a qualificação de recursos humanos para operarem as estratégias apontadas pelo planejamento. Neste quesito, o “carro chefe” é o programa Qualifica-PAC, vinculado ao GT Missão 3 Infraestrutura, para a identificação das diferentes qualificações profissionais demandados pelas cadeias produtivas envolvidas no Novo PAC. Destaca-se no desafio de formação a criação da Política Nacional de Formação e Fixação de Pessoal de Nível Superior nas Empresas Industriais, com GT específico de mesmo nome, que busca incentivar a contratação de profissionais pesquisadores dentro das empresas para nelas promoverem o processo de inovação, além de frear a chamada “fuga de cérebros”. Em relação à Política Nacional de Valorização dos Profissionais de Nível Médio Técnico, para incentivo e ampliação de vagas no Ensino Médio Técnico (especialmente nos Institutos Federais), pode ser alocado neste grupo de ações por tratar da formação para o trabalho, mesmo estando sob o guarda-chuvas do Comitê Executivo do CNDI.

Como já foi dito, todas estas iniciativas de planejamento e qualificação estão voltadas para fortalecer a posição do Brasil em pontos de maior complexidade nas cadeias produtivas em nível mundial, para exportarmos produtos de maior valor agregado, capazes de aumentar a produtividade do trabalho e, consequentemente, a renda, atingindo o objetivo central da política nacional de desenvolvimento com sustentabilidade: aumento dos salários e inclusão socioeconômica. Outras três linhas de ação neste eixo são voltadas para este objetivo central, por isso são acompanhadas de forma direta pelo Comitê Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. São elas: diretrizes de governança para proporcionar segurança jurídica e atrair capital estrangeiro; aprimoramento e implementação integral do Portal Único de Comércio Exterior, desenvolvido desde 2014 e sucateado nos últimos governos, para desburocratizar as exportações e; efetivação da Política Nacional de Cultura Exportadora – PNCE, já regulamentada pelo Decreto 11.593/2023, por colaboração entre MAPA, MRE, MDA, Sebrae, ApexBrasil e ENAP.

Potências capitalistas sempre restringiram a indústria brasileira de transformação, e projeto que envolve diversos setores sociais possibilitará reconhecimento

Duas das 4 iniciativas do instrumentos para Compras e Contratações Públicas tratam dos parâmetros gerais de para contratações, inicialmente sobre a regulamentação de alguns artigos da Nova Lei de Licitações, de 2021, principalmente quanto à inclusão do critério de maior qualidade e durabilidade na concorrência das licitações e sobre o dispositivo do Diálogo Competitivo, que permite ao fornecedor dialogar com o poder público para buscar soluções inovadoras, fora dos critérios universais tradicionais dos pregões. Outra frente de trabalho consiste na criação de uma Estratégia Nacional de Contratações Públicas – ENCP, voltadas para as missões de desenvolvimento, incluindo fortalecer os instrumentos do Marcos Legal das Startups, também de 2021. Aprimorados os mecanismos de investimento direto do Estado, os últimos instrumentos deste Capítulo 2 da NIB tratam das contratações estratégicas que devem promover efeito multiplicador sobre os financiamentos do primeiro eixo e otimizadas pelo aumento da competitividade esperado pelos investimentos do segundo eixo. Tratam-se da formação de uma Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável – CICS, instância de governança para garantir o alinhamento com as missões de desenvolvimento sustentável, e da Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do Programa de Aceleração do Crescimento – CIIA-PAC, estabelecido pelo Decreto 1.630/2023, para investimentos estatais específicos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento.

Em suma, se o rearranjo macroeconômico é fundamental para que financiamentos e investimentos sejam possíveis e que juros não desestimulem a iniciativa privada (nacional e internacional) a empreender e gerar emprego de maior qualidade e rentabilidade, tais aperfeiçoamentos para a redução do chamado “Custo Brasil” e estabelecimento de critérios de qualidade são cruciais para que os investimentos sejam otimizados. Tal complementaridade entre medidas micro e macro tende a evitar dificuldades para um crescimento correspondente à alocação de recursos, falta de sintonia vista como uma das causas da crise de meados da década passada. Um diálogo efetivo e proativo entre a NIB e a proposta da CTB pode ser muito virtuoso, partindo dos condicionantes macroeconômicos para atingir aprimoramentos institucionais que operem diretamente na relação entre os atores, e disso tratará a próxima seção.

Desafios na “Política Industrial a serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil”

Se é verdade que o documento produzido por Diogo Santos aponta um regime macroeconômico propenso ao investimento estatal como pré-requisito para uma política industrial virtuosa, com política fiscal e de juros propícios à contratações públicas e expansão privada, ele também atenta sobre como as condições institucionais da interação são capazes de ganhar legitimidade social, para um engajamento ao Projeto Nacional de Desenvolvimento e para o sistema democrático onde foi implementado; além de um instrumento para o crescimento, este Projeto seria um antídoto contra movimentos reacionários que se espalham pelo mundo e continua vivo no Brasil. Sendo assim, estamos falando da regulação das relações entre as pessoas, que possuem suas dimensões micro, inclusive entre os atores econômicos, e podem estimular determinadas relações e desestimular outras. Ou seja, já no começo aponta que tem muito a dizer sobre as medidas da NIB.

Na segunda página da Nota indica-se que ela está dividida em 4 partes: primeiro os “impactos da reforma fiscal, das reformas trabalhistas e do regime de política monetária” implementadas pós-impeachment; depois os problemas das políticas industriais deste período; em penúltimo a urgência da adequação do regime macroeconômico à uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento via reindustrialização e; por último, “medidas em áreas estratégicas para a implementação da política industrial da atualidade”. Dado que o problema do regime macroeconômico – a terceira parte – já foi introduzido, trataremos aqui de relacionar questões levantadas sobre financiamento na primeira parte no primeiro conjunto de instrumentos da NIB, da segunda inteira e de parte da quarta parte referentes ao segundo eixo da NIB, sobre ambiente de negócios, e do restante da parte final relacionadas às compras e contratações públicas do projeto de neindustrialização do Governo Federal.

Sobre condições de financiamento, a primeira parte começa reforçando que o bloqueio da capacidade indutora do Estado de impulsionar a economia impede ações anti-cíclicas através de investimentos indutores ou financiamento a juros mais baixos por parte do BNDES. No começo da quarta parte, aliás, propõe a redução da obrigatoriedade de repasse mínimo de 25% dos lucros do BNDES para a União, aumentando os recursos disponíveis para financiamento, além de autorizar bancos públicos e privados a emitirem títulos para financiamento da indústria, nos moldes das Letras de Crédito Agrícolas, iniciativa também prevista na NIB. Se na NIB faz-se um delineamento institucional para tornar o sistema de financiamento mais diversificado e preciso segundo objetivos estratégicos, capazes de gerar externalidades positivas, aqui pontua-se o problema de uma política fiscal e controle inflacionário via mecanismos potencialmente recessivos, como juros altos, que favorecem a concentração. Observa-se uma complementaridade entre as propostas, assim como se aqui sugere-se foco nas pequenas e médias porque estas tem menos interesses em comum com os rentistas, no projeto federal prioriza-se exatamente este porte de empresas.

Agora em relação às compras e contratações públicas, entende-se que, como as missões estão focadas em solucionar problemas urgentes de nossa sociedade, assim como a NIB, a proposta de Política Industrial da CTB aponta para o mesmo caminho, priorizando setores de saúde, indústria de defesa e infraestrutura. No caso desta última, a nota destaca o desmanche da Petrobrás e de nossas líderes na área de construção civil provocado pela Lava-Jato, de modo que uma quantia considerável do financiamento para o setor privado e dos investimentos do setor público devem estar concentrados nesta área, pois é intensiva em trabalho, gerando muito emprego, sobretudo às camadas mais vulneráveis da população. Isso faz coro às palavras de Altamiro Perdoná, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário – Contricom, que representou a Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST na mesa da CDH do Senado, cuja fala ressaltou o quanto o setor é fundamental para oferecer a infraestrutura necessária para a indústria, além da carência por moradia.

Quanto aos paralelos possíveis entre as propostas para melhoria do ambiente de negócios, seguimos a divisão feita para este quesito da sessão anterior: planejamento e inteligência, formação de recursos humanos e relações internacionais. Em relação ao planejamento, a “Nota” aponta a precarização na condução da estratégia nacional para a economia digital, para a Indústria 4.0, que como publiquei neste mesmo espaço à quase um ano, suprimiu a participação da sociedade civil, inclusive a sindical; o aperfeiçoamento desta política é uma questão urgente. Também salienta, na seção 4, a importância em serem estabelecidos critérios de efetividade para as empresas contempladas pelos financiamentos públicos, equalizando o já mencionado problema da má alocação de recursos.

Tal estabelecimento de critérios de efetividade não serve apenas como prospecção para elegibilidade, mas também instrumento pedagógico, dado que segundo o governo e a central sindical deve-se prestigiar pequenas e médias empresas, muitas vezes carentes de padrões de gestão. Ainda em relação à formação de recursos humanos, a “Política Industrial” sugerida pela CTB salienta a regionalização desta formação via Institutos Federais, alinhando territorialização e educação técnica, além de um Sistema de Planejamento Integrado especificamente para as demandas do Novo PAC, que incluí as diferentes demandas por formação, e também foi previsto pela NIB.

Apesar de não estar diretamente ligada à educação formal, a tão reforçada necessidade de revisão da Reforma Trabalhista de 2017 tem, logicamente, o objetivo de reverter a precarização do trabalho imposta por ela, algo imprescindível na medida em que uma política de desenvolvimento que se pretende responsável socialmente, mas também tem um impacto na formação de recursos humanos. Na medida em que, para atingir melhores salários busca-se aumento da produtividade do trabalho, a capacidade de criar e assimilar inovação torna-se crucial. Sendo assim, um ambiente de trabalho com relações vulnerabilizadas impede a aprendizagem do conhecimento tácito, adquirido na rotina de um sistema produtivo, algo impossível sem garantias trabalhistas que permitam alguma estabilidade do trabalhador dentro da empresa, e em sua vida pessoal também.

O conjunto de sugestões da CTB, assim como o do Governo Federal, entende que uma política industrial deve reinserir o país em dimensões de maior complexidade nas Cadeias Globais de Valor, o que acarreta um aprimoramento de nosso comércio exterior. Propõe uma maior concentração nas relações Sul-Sul, principalmente dentro da América Latina e do BRICS. Os principais produtos de exportação brasileiros dentro da América Latina caíram entre 30 e 50% na última década, e uma retomada poderia ser conseguida através da criação de uma moeda de compensação comum e fortalecimento do Banco de Desenvolvimento da América Latina, e um aprofundamento da integração com o Bando do BRICS. Isso nos deixaria menos sujeitos a acordos com países de capitalismo avançados que nos direcione exclusivamente como fornecedores de commodities produzidos sem tecnologia nacional.

Tanto em relação aos instrumentos financeiros quanto à competitividade do ambiente de negócios e às contratações públicas, a nota “Política Industrial a serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil” soma aos objetivos do Nova Indústria Brasil, trazendo apoio político nas semelhanças e trazendo alternativas para vários outros pontos, como no que se refere ao regime macroeconômico. Logicamente, tem-se aqui um artigo sobre linhas gerais, com caminhos a serem aprofundados na comparação entre estes dois documentos. Se não foi possível aqui trazer muitas análises mais precisas, indica por onde elas podem começar, e também mostra o quanto foi qualificada a contribuição da CTB enquanto entidade sindical.

Considerações finais

Acredito ter ficado claro que esta Nota Técnica não se comunica apenas com a Nova Industria Brasil e com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Traz questões que levam ao diálogo com o Ministério do Trabalho no que se refere à revisão da Reforma Trabalhista de 2017. Também estabelece pontos de cooperação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, sobretudo sobre a Transformação Digital. Quando fala na formação de um sistema para prospecção de necessidades específicas do Novo PAC envolve Ministério da Gestão, que quando cobra retomada dos investimentos em infraestrutura também abre uma agenda com o Ministério das Cidades. Ao sugerir maiores investimentos na área de Defesa, é com este ministério que precisa operar junto (e central sindical possui recursos humanos para tal, algo extraordinário). Sobretudo, quando admite avanços no Novo Arcabouço Fiscal mas reivindica mais capacidade de investimento do Estado, traz uma demanda extremamente complexa para o Ministério da Fazenda.

O fato de a Nova Indústria Brasil mencionar o problema do regime macroeconômico mas assumir que esta é pauta de outro ministério mostra seu foco em suas atribuições. Em conjunto, há avanços notáveis neste sentido, e um governo é um conjunto, à qual se soma o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Em um outro momento entraremos nas 6 missões, onde elementos mais sofisticados ganham forma neste projeto de desenvolvimento, pois nos ativemos aos instrumentos gerais.

Como foi enfaticamente colocado no prefácio à Nota Técnica, de Adilson Araújo, presidente da CTB, ao longo de nossa história as potências capitalistas internacionais sempre se empenharam em restringir nossa indústria de transformação, nos reduzindo a exportadores de commodities produzidos com tecnologia estrangeira. Primeiro através de restrições aduaneiras, depois explorando uma “incapacidade” de concorrer com eles, e na virada do milênio trazendo fórmulas macroeconômicas que eles mesmo não usam, como juros altos e anunciar a inflação como um fantasma – ela é terrível, mas a razão é o remédio para estas coisas, não o pavor. Hoje, a propaganda do liberalismo vulgar defende soluções suicidas, e um projeto de desenvolvimento focado na indústria que envolva os mais diversos setores da sociedade fará estas pessoas entenderem que uma política desenvolvimentista é boa, que elas fazem parte do processo, e que foi na democracia que isso foi possível.

As entidades representativas do trabalhador amadureceram demais, entendem que só é possível aumentar a renda com mais produtividade, algo já bem claro no documento “Agenda da Classe Trabalhadora para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, elaborado durante a CONCLAT de 2010, e que precisa ser revisitado. A contribuição da “Nota Técnica” pode dar margem para muitos diálogos, muitos, e que outras centrais participem deste debate e proponham os seus, pois vivemos um tempo que precisa ser de união, e uma sessão numa comissão do Senado é um belo episódio.

Publicado originalmente no Opera Mundi


Marcos Rehder Batista

Sociólogo, pesquisador no CEA (Instituto de Economia, Unicamp), CPTEn (Fac Engenharia Elétrica e da Comp, Unicamp) e CEAPG (EAESP-FGV)