O Rio Grande do Sul está às voltas com a tragédia mais sombria de sua história. As cheias que assolam o estado desde o final de abril já devastam a economia gaúcha, especialmente a agropecuária. Os impactos de curto e médio prazo vão da inflação à recessão, passando por desemprego e aumento da miséria.
Conforme a Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), 80% da atividade econômica no estado foi atingida. A Fecomércio-RS (Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul) projeta danos patrimoniais às famílias de até R$ 2,3 bilhões. Todos os números tendem a piorar nas próximas semanas.
Sérgio de Miranda, um dos líderes dos trabalhadores rurais no estado e atual secretário nacional de Finanças da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), define os prejuízos como “imensos e incalculáveis”. Como alguns rios devem demorar mais de um mês para retornar a seus níveis históricos, a volta à normalidade está distante. “Na medida em que as águas forem baixando, teremos melhores condições de avaliar os prejuízos”, afirma.
É certo, porém, que a crise foi generalizada. “A tragédia vai afetar todos os segmentos da sociedade – do grande ao pequeno e médio empresário, dos grandes, pequenos e médios agricultores. Os trabalhadores, de modo geral, sejam eles rurais ou urbanos, serão muito prejudicados, porque muitos ficarão sem emprego”, declara o sindicalista.
Ex-dirigente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) e da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), o sindicalista diz que as perdas irão além do emprego. “No caso específico da agricultura familiar, são centenas e centenas – talvez milhares – de agricultores que perderam as suas casas, perderam toda a infraestrutura e instalações, perderam animais, perderam produção.”
Os trabalhadores da indústria tampouco estão imunes a riscos. Nesta semana, viralizou um vídeo do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul (RS), Assis Melo, que denunciava manobras dos empresários locais para retirar direitos e piorar as condições de trabalho. A data-base da categoria – que está em campanha salarial – é 1º de junho.
“A solidariedade é a nossa bandeira. Mas nos estranha a atitude patronal de, mais uma vez, tentar impor aos trabalhadores mais sacrifícios”, declarou Assis no vídeo. “É uma tentativa de surrupiar direitos dos trabalhadores. Portanto, não há acordo nisso.”
A serra gaúcha foi uma das regiões mais afetadas na enchente. Desde os primeiros dias, a entidade liderada por Assis apoiou ações de solidariedade e apoio, sendo um ponto de coleta de doações.
“Várias cidades do nosso estado praticamente foram dizimadas, assim como empresas e hospitais. Com isso se perde emprego e, às vezes, se perde a perspectiva”, declarou Assis ao Vermelho. “Será uma luta de reconstrução do estado em todas as frentes. A solidariedade precisa ser continuada, em todos os cantos do nosso estado e – por que não dizer? – do nosso país, para poder restaurar o mínimo de dignidade”.
O sindicalista também preside a Fitmetal (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil). A seu ver, diante da iminente explosão do desemprego no Rio Grande Sul, os governos federal e estadual, articulados com as prefeituras, precisam planejar, rapidamente, “ações emergenciais”.
“São necessárias medidas de frentes de trabalho, contratos emergenciais também, para que as pessoas possam ter o mínimo de condições de continuar vivendo pelos próximos anos. Isso requer do Poder Público uma atitude bastante ousada e dedicada para buscar soluções”, afirma.
Da mesma maneira, Assis defende novos modelos de planejamento urbano, já que a tragédia foi especialmente agravada pelo descaso e pela negligência tanto de governos quanto da iniciativa privada. “É preciso repensar as cidades e as questões climáticas. Em meio a toda a tragédia, é preciso enxergar futuro e melhores condições de vida para o nosso povo.”
Sua opinião é compartilhada por Sérgio de Miranda. “A Fetag e a Contag, que representam a agricultura familiar, já estão tratando junto ao governo federal e ao governo estadual para que medidas sejam tomadas”, aponta. “Algumas já foram anunciadas, como a prorrogação do prazo de pagamento das dívidas e um plano de empréstimo emergencial.”
Segundo ele, “o grande desafio agora é reconstruir e recuperar o que foi perdido, garantir condições para aqueles que ficarem sem colheita, sem receita, sem casa. Eles precisam se manter, se sustentar”. Já os passos seguintes têm de levar em conta preocupações como a construção de casas e a recuperação de solos “que foram completamente degradados”.
Dada a crescente fragilidade do estado, o governo Lula terá papel central no pós-enchente. Embora seja uma das regiões mais ricas do País, o Rio Grande do Sul já estava prestes a colapsar antes mesmo da tragédia. A dívida do estado com a União, estimada em R$ 100 bilhões, corresponde a quase 200% de sua receita corrente líquida. A economia gaúcha é responsável por 6,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, mas responde igualmente por 14% das dívidas estaduais com a União – o maior patamar entre todas as unidades federativas.
Na quinta-feira (9), o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) afirmou que o custo da reconstrução do estado será de ao menos R$ 19 bilhões. O setor mais atingido foi o habitacional. Além das 143 pessoas mortas, 125 desaparecidas e 806 feridas, a Defesa Civil estadual contabiliza, até este domingo (10), 537,3 mil desalojados e 81,1 mil desabrigados.
André Cintra
Jornalista, é assessor de Comunicação da Fitmetal